Papaya (Priscilla Kellen, 2025)
Os tipos de semente que há
Escrito por Iane Áustria
Revisado por Davi Pieri
Os tipos de semente que há
Escrito por Iane Áustria
Revisado por Davi Pieri
14 de setembro de 2025
Produzido em 2D, Papaya, longa-metragem de animação, trouxe cores intensas e vibrantes para sua estreia mundial no 58º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Ao utilizar formas planas recortadas e sobrepostas, Priscilla Kellen (Vivi Viravento) criou texturas complexas, cenários chamativos e personagens tão expressivos como jamais círculos e triângulos poderiam ser.
A primeira imagem do filme consiste na ruptura da tela preta por uma raíz, à medida que a câmera sobe, o espectador aprecia o processo de nutrição da planta. Em um claro diálogo com questões de maternidade, somos apresentados à Papaya, semente de mamão que durante todo o filme vive situações de quase morte para não germinar, quer voar como as folhas, dentes-de-leão, pássaros e, sobretudo, igual às borboletas, encanto materializado quando o rosto da protagonista preenche a tela e os acontecimentos são literalmente refletidos nos seus olhos.
Papaya (Priscilla Kellen, 2025)
Através de uma animação fluida, planos próximos alternados com subjetivos, forró e fanfarra, o ambiente número um é consolidado. Quando as cores vivas perdem saturação, torres de transmissão revelam a presença humana. Melancias quadradas, laboratórios, sistema de empacotamento: ainda que capturados por planos abertos, eles se mantêm próximos o suficiente para enfatizar a tristeza e o medo de cada organismo manipulado. Se o colorido do arco-íris a princípio dava espaço para borboletas, agora vemos uma aeronave agrícola expulsar “pragas” e poluir rios.
Papaya (Priscilla Kellen, 2025)
Assim, a abordagem infantil ligada à obra, além de proporcionar uma aula de ciências lúdica e divertida, escancara problemas da realidade brasileira (e mundial) acerca de impactos ambientais. Após perder partes de suas raízes no asfalto quente, Papaya enfim germina e estabelece novamente contato com a natureza. A ligação inquebrável entre todos os elementos deu à mamãe mamoeira a chance de salvar sua semente mais rebelde. Agentes polinizadores foram ao resgate. Em pouco tempo, o fluxo natural voltou e a mensagem ficou ainda mais clara: se o meio ambiente tiver chance, ele pode se recuperar.
Nesse momento, fotos de frutas e plantas reais são misturadas aos desenhos, talvez numa tentativa da diretora de comunicar diretamente que isso acontece fora das telas. Não há diálogos explícitos no filme. Murmúrios, foleys e efeitos são os recursos diegéticos usados. Apenas uma palavra distinguível foi dita: papaya, agora borboleta com asas semelhantes ao interior do mamão. No espaço não diegético, a música final, na voz da cantora Tulipa Ruiz, também dubladora da mãe-mamoeiro, elucida o desejo e conquista da semente de mamão: “Eu só queria a magia do sol sobre mim, viver assim voando”.
Papaya, com sua variedade de cultivo, formas, cores e complexidade, comprova que, ao longo de sete anos, Priscilla Kellen aproveitou bem um dos melhores recursos que a animação pode oferecer: transformar abstração em coisas reais.